Não a conheci pessoalmente, Irmã Dulce. Contudo,
como seu nome e sua fama ultrapassaram, ainda em vida, os limites da cidade de
Salvador e do Estado da Bahia, a senhora há muito tempo é minha conhecida – e,
por que não dizer? – minha amiga. Tenha certeza: se eu tivesse imaginado que um
dia seria o responsável pela Arquidiocese que foi a sua, onde a senhora viveu,
trabalhou e se santificou, teria vindo aqui, para encontrá-la, e, levado por
suas mãos, iria conhecer a sua obra. Vejo, contudo, que tudo isso foi
providencial: não a conheci, mas estou conhecendo sua obra. Nosso Mestre nos
ensina que pelos frutos se conhece uma árvore (cf. Mt 7,16-20). E a “árvore” que
a senhora plantou fincou profundas raízes em nossa região, produzindo frutos
diários de bondade, solidariedade e amor. Que o digam as milhares de pessoas
que, doentes e sofridas, batem cada dia às portas de uma das fundações que a
senhora deixou.
Tenho conhecido diversas facetas de sua
personalidade, Irmã Dulce, graças a pessoas que a conheceram. Quando elas falam,
mais do que por palavras, é pelo brilho de seu olhar que expressam a admiração
que continuam tendo pela senhora. As marcas do amor que a senhora teve por Jesus
Cristo e, por causa dele, pelos pobres, ficaram nos corações de inúmeras pessoas
que testemunham o privilégio de tê-la conhecido e trabalhado a seu lado. Esses
testemunhos, que aqui e ali a Imprensa publica, dariam matéria para um excelente
livro que, espero, um dia será publicado, para a glória de Deus. Penso, também,
no testemunho de padres que conheceram de perto suas inquietações e
compartilharam intimamente de seus sofrimentos; penso, especialmente, no que
pessoas simples dizem a seu respeito, Irmã Dulce – pessoas que foram
beneficiadas por sua atenção, ficaram sensibilizadas com seu sorriso e
apertaram, agradecidas, as suas mãos.
Jesus nos antecipou qual será a matéria do nosso
julgamento final: “Tive fome e me deste de comer; sede, e me deste de beber;
estive nu e me vestiste; desabrigado, e me acolheste...” Por isso, Irmã Dulce, o
reconhecimento que a Igreja está fazendo de sua vida nada mudará para a senhora.
O reconhecimento que realmente importa para a sua vida eterna é aquele que o
Senhor Jesus, juiz dos vivos e dos mortos, lhe faz. Acontece, contudo, o
seguinte, cara Irmã dos Pobres: todos nós, batizados, temos uma mesma vocação: a
santidade. Ao escrever aos fiéis de Tessalônica, o apóstolo Paulo os advertiu:
“Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1Ts 4,3). Dez ou doze anos
depois, dirigindo-se à comunidade de Éfeso, ele completou essa ideia: Deus nos
escolheu em Cristo antes da criação do mundo, “para sermos santos e
irrepreensíveis, diante de seus olhos” (Ef 1,4).
Sua vida, Irmã Dulce, nos ensina que mais do que
um quadro de valores ou um código de comportamento a nos orientar no caminho da
santidade, temos um exemplo diante de nós: Jesus, mestre e modelo de toda
santidade. Seremos santos, se o imitarmos. Para os que julgam isso difícil ou
até mesmo impossível, a Igreja recorda pessoas como a senhora, que aceitaram o
desafio de serem santas e passaram seus dias na imitação de Jesus. Delas –
portanto, também da senhora – pode-se dizer o que Paulo disse de si mesmo: “Eu
vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim!” (Gl 2,20).
Irmã Dulce, agora a senhora é bem-aventurada.
Como é bom ter diante de nós uma pessoa que percorreu as ruas de Salvador,
atendeu nossos doentes e necessitados, e da qual muitos podem dizer: “Eu falei
com ela! Eu fui atendido por ela! Eu a vi rezando e atendendo os pobres!”. Isto
é para nós uma graça especial, que me deixa muito à vontade para pedir hoje, ao
Senhor, duas coisas. A primeira: que ele nos dê a graça de trilharmos, nós
mesmos, o caminho da santidade, que a senhora já percorreu e que ninguém pode
percorrer por nós. A segunda: que unamos nossos esforços para diminuir e fazer
desaparecer a pobreza e a miséria de nossa cidade e Estado, já que elas não têm
como causa a vontade de Deus, mas são fruto da indiferença e do egoísmo humanos
Cardeal Primaz do Brasil Dom Murilo S. R. Krieger |
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